A primitiva Vila de São Vicente se estendia ao redor da pequena igreja denominada, por Martim Afonso de Sousa, Nossa Senhora de Assunção.
As badaladas de seus sinos de bronze tocavam a alma e o coração dos poucos habitantes daqueles tempos, conclamando-os a orar por aquela terra selvagem e bela.
O mar batendo em São Vicente, com sua beleza imensa, ocultava o perigo de ataques piratas, mas também trazia embarcações com notícias da Corte Portuguesa, quanta alegria !...
Nessa terra paradisíaca vivia Itaíra, índia formosa e bela, criada pela família de um dos escudeiros de Martim Afonso.
Quando ela se fez mulher apaixonou-se por Otávio, filho de seu pai de criação. O jovem português gostava da companhia de Itaíra nos folguedos de São João e São Pedro, do Natal e dos Santos Reis, mas não a amava e nem sequer passava pela sua cabeça desposá-la. Ela, com sua pureza selvagem, o adorava cada vez mais.
Passado algum tempo, num belo dia, São Vicente acordou em festa. Era o casamento de Otávio com uma portuguesinha de uma aldeia próxima. Todos bebiam, dançavam e se divertiam a valer, enquanto caças de várias espécies eram assadas em braseiros improvisados. Somente Itaíra, esquecida em um canto chorava sua infelicidade, sua desilusão. Nunca mais foi a mesma. Certa vez, banhando-se no mar com suas amigas, afastou-se tanto da praia que as águas a levaram para sempre.
Conta a lenda que, nas profundezas do oceano, a bela índia contou sua desdita a Netuno, o Deus do Mar. Este, indignado, prometeu vingá-la. Naquela madrugada, pouco antes do amanhecer, o Senhor das Marés, enfurecido, ordena às águas um implacável maremoto. Invadindo a Vila de São Vicente, o mar vai tragando o que encontra em seu caminho: as casinhas caiadas choças, a Casa do Conselho e a igreja com seus sinos de bronze abrigados no campanário. Com o brilho do nascer do sol, tudo se acalma.
Até hoje na Praia de São Vicente, quando o sol se esconde, às vezes o mar vem de encontro à cidade com fúria. Bate violento contra os paredões de pedra erguidos para nos defender das ressacas. Ao fundo do rumor das ondas, ainda se ouve, na calada da noite, o toque dos sinos submersos como a lamentar a sorte de Itaíra e da primeira Vila de São Vicente.
Fonte: Boletim do IHGSV - por João Maurício Caiaffa dos Santos Ibañes